Para que serve um ano? Senão para acrescentar um ano a mais? Ou para dizermos, quando chega dezembro, que este passou mais rápido que o outro. Qual outro? Foram tantos.
De quê serve um ano, se não para as crianças avançarem para dentro da realidade? Em passos lentos no começo, como se a infância fosse um pântano espesso e pegajoso, que as amarra pela cintura e, por mais que caminhem, papai noel teima em existir. Depois, quando vão se desprendendo do visgo, os passos são mais rápidos, e elas caminham mais a cada ano. Até que serão céticas, e um céu laranja não mais espanta. Então dirão, sem susto, que o ano passou depressa.
Para que servem doze meses? Se em um dia tudo pode acontecer? Se a vida pode mudar sem promessas, sem planos, sem sete ondas? Em plena quarta-feira. Uma quarta-feira é como um julho. Está no meio, e nem ao menos tem o atenuante das férias. Uma quarta-feira é onde a semana nos prende, e nos mantém distantes da praia virgem da segunda, e do porto alegre da sexta. Quartas-feiras nos afogam. Julhos nos redimem. E os dezembros, que fazem de nós?
Nos lançam na esperança de que janeiro será melhor. Um recomeço. A crise vem, mas estaremos descansados. Prontos para o que der e fevereiro. O carnaval, saudoso dos tempos irresponsáveis do recesso coletivo. O carnaval-revival das festas em família e dos votos de prosperidade. O último respiro antes do mergulho nas águas de março e de cotidiano.
De que vale o fim do ano? Serve para fazer balanço de vida e ficar feliz? Feliz porque se tudo está bom, congratulações. E se tudo está ruim, teremos logo um janeiro por perto, cheio de mudanças e novos rumos. Janeiro é mês de toma-jeito. Pau que nasce torto, em janeiro se endireita.
Será? O que pode um mês? Agosto pode pouco. Tem muito vento, é indeciso, tem dia 13. Setembro fez nascer meu amor. Depois um outro, uma rosa. Julho me fez inteiro. Me deu vida, me deu filha. Me fez leão. Dane-se a gramática, cada um que invente o calendário.
Meu ano começa hoje. Hoje que você me lê. Hoje que uma ponte de silêncio se fez entre a minha solidão e a sua. É triste? Não é. Seremos sós. Seremos nós mesmos, sozinhos. Ninguém vive senão nós. É triste? Não pode. Ser triste é inventar mal a vida.
Aproveitemos dezembro, aproveitemos hoje, para inventarmos tudo. Janeiro é se a gente quiser. Janeiro é todo dia. Janeiro já passou. Janeiro é a surpresa. Janeiro – assim como a infância – volta. É para isso que serve o ano.
PS. Texto original de André Laurentino, do blog Caderno de Vidro.
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